Tranças e seu legado: as raízes e simbolismo do penteado

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Tranças e seu legado: as raízes e simbolismo do penteado

Hoje, vamos falar de tranças, mas não do aspecto técnico de como trançar o cabelo.

A ideia hoje é investigar a história e o simbolismo por trás das tranças.

Lembramos dos primeiros versos da música Trança da Larissa Luz e, com os primeiros versos dela, vamos abrir a discussão de hoje:

Faz a cabeça da menina
Comunica e entrelaça
Diz o que vem da sua raça

Estampa identidade
Atitude consciente
Raiz desenha sua mente

A cabeça da menina
Experimenta não disfarça
Diz o que vem da sua raça

Vontade vem da alma
Sinta o presente
Raiz desenha sua mente

Só estes versos já nos trazem um mundo de informações sobre o legado das tranças, mas vamos falar mais detidamente a respeito de alguns deles.

Siga a leitura para entender mais sobre o que se esconde (e se mostra) po meio das tranças.

Tranças e a Matemática fora das salas de aula

A matemática, em especial nos anos finais da escola, é ensinada de forma bastante abstrata, na nossa cultura.

A matemática Gloria Ford Gilmer, entratento, conduziu, em 1998, um estudo sobre os padrões usados por trancistas em duas áreas diferentes, nos Estados Unidos.

Apesar de não haver cálculos em papel, o que o estudo demonstrou é que os penteados intrincados formados pelas tranças, nestes locais, não poderiam acontecer sem complexas noções de cálculo.

A mensuração adequadas das extensões requer boas noções de álgebra e o ato de trançar, em si, requer raciocínio geométrico.

Outros termos matemáticos entram na jogada, o ato de trançar, os movimentos, repetições e padrões podem ser entendidos, na visão de Nettrice Gaskins, como uma tecnologia e, além disso, uma tecnologia logarítmica.

Cultura e Ancestralidade

Trançar é uma recordação ancestral, nas palavras de Bill Gaskins. O ato funciona como uma ponte que liga espaços entre passado, presente e futuro. As tranças são o entrelaçamento de um material tangível que conecta pessoas separadas por milhares de quilômetros e centenas de milhares de anos.

As tranças nagô, aquelas que formam linhas junto ao couro cabeludo, podem funcionar como um trançar e inter-trançar de culturas, identidades, imagens, tecidos e sons, uma característica da diáspora africana e um poço cultural para os escravizados e seus decententes no ocidente.

O processo de trançar é intuitivo e é explicado, teoricamente, como parte de uma tecnologia do passado africano.

Gaskins fala das trancistas como uma instituição de memória corporificada, como se estas mulheres fossem, cada uma, um museu de carne e osso que guarda, nos rápidos movimentos dos seus dedos, parte da história de seus ancestrais.

Fractais, o Caracol e os Espirais como infinito no design das tranças

Na antiguidade, o conceito de infinito parecia impensável (e, em alguns lugares até heresia).

Entretanto, em culturas africanas, a ideia do infinto está presente em lendas, tradições e também no design das tranças.

Fractais são formas geométricas produzidas a partir de equações matemáticas e o que elas têm de curioso é um espécie de repetição. A figura se repete, dentro dela mesma, mas menor, tendendo ao infinito.

Antes do termo fractal ser inventado, tranças fractais já exisitiam, ela formam desenhos intrincados que se repetem dentro de si mesmos em escala menor.

Outro exemplo da presença do infinito vem dos caracóis, animais presentes em diversas histórias de culturas africanas, significando, muitas vezes, prosperidade sem fim.

As tranças como mapas para a liberdade

Próximo do ano de 1600, Benkos Biohó, funda o quilombo de Palenque, o primeiro território a ser reconhecido como comunidade negra livre das Américas, pela coroa espanhola.

Biohó era membro da família real de Guiné-Bissau escravizado e vendido nas américas.

Depois de fugir e fundar a comunidade quilombola de San Basílio de Palenque, onde hoje fica a Colômbia, ajudou diversos escravos a fugirem e ofereceu abrigo em seu quilombo.

É nessas fugas que as tranças desempenham um papel crucial.

Datas, planos, sinais e até mesmo mapas de fuga eram trançados nos cabelos das mulheres e assim, as informações eram trocadas a luz do dia, sob um código inacessível para os espanhóis.

O método era tão eficaz que o Rei da Espanha reconheceu Palenque como território livre em troca do quilombo deixar de receber fugitivos. O trato não foi honrado e Benkos Biohó foi executado menos de dez anos após a finalização dos documentos.

uBuntu – O Laço que nos Une

Um dos conceitos filosóficos mais populares, proveninente do sul da África, aqui no Brasil é a ideia de uBuntu, uma ligação de partilha que conecta toda a humanidade.

Outras partes do continente africano têm nomes diferentes para conceitos semelhantes de cooperação para vida em comunidade e cuidado com os outros.

Na abertura do livro que usamos como principal fonte para pesquisa desse texto, a autora Emma Dabiri, trança alguns conceitos para transformar a simbologia destes penteados em algo poético-filosófico.

Nas palavras dela, séculos de significados acumulados são amarrados nas tranças.

O passado é mantido vivo em um presente contínuo e assessível.

As tranças tem algo de pregresso e trazem consigo habilidades acumuladas no passado, os atributos de poderes de outrora.

Mas, elas também estão aqui (e agora), trazendo consigo o “de antes”.

Mecha a mecha o passado é trançado junto ao presente.

De onde vieram estas informações?

Dabiri, Emma. (2020) Twisted: The Tangled History of Black Hair Culture. Harper Perennial.

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